“Façamos da interrupção um novo caminho.
Da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte, da procura um encontro” – William Shakespeare
Na definição livre e poética de Wikipedia, CORAGEM – do latim coraticum, do francês courage – é a habilidade de confrontar o temível som de discórdia, a difícil vida, o amor, a certeza ou a intimidação. O homem sem temeridade motiva-se a ir mais além. O medo pode ser constante, mas o impulso o leva adiante. CORAGEM é a confiança que o ser possui em momentos de temor ou em situações difíceis. É aquilo que o faz viver, ultrapassando as barreiras do medo. É a força invisível para combater momentos tenebrosos da vida.
Platão relaciona a CORAGEM com razão e dor. Para o filósofo grego, CORAGEM é o uso da razão (no sentido amplo que inclui aspectos emocionais) a despeito do prazer. É a coerência com os princípios próprios de cada um. Trata-se da auto-observação que faz agir.
Os animais irracionais também demonstram CORAGEM, principalmente devido aos seus instintos primitivos e pela necessidade de sobrevivência e manutenção da espécie. Por exemplo: um pássaro que sai do seu ninho sente que pode morrer, mas a necessidade de sobrevivência fala mais alto nele, fazendo com que surja a CORAGEM para lançar voo.
Os seres humanos, diferentemente dos outros animais, tem um psiquismo muito influente em suas atitudes. Com isto, seus medos e superações variam muito de uns para outros, dependendo das características que trazem, dos seus talentos naturais, que podem sofrer influências do ambiente e do verniz educacional. Ou seja, a CORAGEM no Homem está sujeita às suas crenças de acordo com seu Sonho Básico de Vida.
Segundo Ghandi, “a primeira qualidade do caminho espiritual é a CORAGEM. O mundo parece ameaçador e perigoso para os covardes. Estes procuram a segurança mentirosa de uma vida sem grandes desafios e armam-se até os dentes para defender aquilo que julgam possuir. Os covardes acabam construindo as grades da própria prisão”.
Quanto à antítese de CORAGEM, que é o medo, de acordo com Sebastião de Melo, ele aparece em todas as situações da vida, quer seja pela destruição, causada pelas guerras frias que transformaram pessoas em inseguras, como também pela própria ignorância (falta de visão interior), que tira as perspectivas de um futuro com tranquilidade e paz. O Homem perdeu a confiança em seu poder, no mana dentro de si. Somente será livre quando acreditar plenamente que O MUNDO É O QUE ELE PENSA QUE É, conforme o Primeiro Princípio do Xamanismo Havaiano.
Com tanta carga de ignorância que o acomete, o ser humano acovardou-se, muitas vezes afastando-se da sociedade, pensando que só encontrará inimigos em potencial e, desta forma, refugiou-se em casa e em si mesmo, tornando-se vítima da valorização e quase obsessão da violência.
Apesar de tudo ter concorrido para que o medo impere em nossas atitudes, não saiu completamente de nosso interior o divino que há dentro de nós, que pode se manifestar nos momentos de harmonia entre uhane e unihipili. Basta lembrar o Sexto Princípio do Xamanismo Havaiano, segundo o qual TODO PODER VEM DE DENTRO.
Em paralelo a este medo atual que foi descrito, surge a CORAGEM que repousa dentro de nós, de acordo com nossas potencialidades, oriundas do Talento Esclarecimento, que aparece na redução das Limitações. Todo este processo se manifesta no corpo físico.
A CORAGEM também pode ser definida como uma força invisível diante de situações perigosas ou difíceis com que nos defrontamos em nosso dia a dia. A dificuldade ou perigo da situação é proporcional ao tamanho do apego envolvido.
A CORAGEM abrange o aspecto de grandeza de espírito: coragem de assumir suas opções, ações e consequências – que em diversas ocasiões é dificultada pelos nossos apegos morais, que caminham com nosso orgulho pessoal diante de fatos, situações e até mesmo fantasias. Para Nietzche, o medo é o pai da falsa moralidade.
Nos estudos de Martin Heidegger, a morte pode despertar em nós dois sentimentos: o medo e a angústia. O medo nos faz não pensar na morte, para não enfrentarmos a situação, adiá-la, esquecê-la. Mergulhamos em ocupações e até conversamos sobre a morte dos outros, mas não encaramos a nossa, que um dia chegará para outras existências. Tal pensamento nos remete ao Desafio Procrastinação, do Quarto Princípio do Xamanismo Havaiano, Manawa, segundo o qual O MOMENTO DE PODER É AGORA.
Para Heidegger, o medo nos convida a viver na impropriedade; não atribuímos sentido, deixamos que os outros e as circunstâncias o atribuam; nos alienamos de nós mesmos, vivendo sempre correndo com nossas agendas cheias de nossas distrações que nos ocupam. Vivemos num sentido impróprio, que não aponta em direção alguma, como uma finalidade sem fim. Constata-se aí o Desafio Confusão, relacionado ao Princípio Makia do Xamanismo Havaiano, onde A ENERGIA SEGUE O FLUXO DO PENSAMENTO.
Na análise da psicoterapeuta Maria de Melo, autora da obra “A Coragem de Crescer – Sonhos e Histórias para Novos Caminhos”, Editora Agora, 2013, a CORAGEM “vem de dentro, do mais profundo da gente. Ela exige estrutura de personalidade, alma forte”.
Maria de Melo ainda menciona a importância da Humanidade para levar ao pé da letra a expressão “criar coragem e mudar o rumo das coisas”. Diante disto, sugere:
- Entender seus medos: uma pessoa corajosa não é alguém que não tem medo, mas aquele que não se deixa paralisar por ele. Um certo nível de receio, cuidado e zelo são normais, perante grandes desafios; porém os corajosos se mantem firmes em suas decisões.
- Separe o que é fato daquilo que é fantasia: muitas vezes os riscos estão apenas na mente, isto é, são baseados em crenças, suposições e fantasias. Entender a base originária desses medos é essencial para se criar CORAGEM necessária para agir.
- Seja humilde: é a humildade da autoaceitação que nos dá a força verdadeira. Sem humildade se pode cair na tentação de culpar os outros e a sociedade pelos medos e não enxergar a si mesmo, como único responsável pela falta de CORAGEM (na abordagem Huna – o mundo é aquilo que você pensa que ele é).
- Assuma os riscos: CORAGEM também significa assumir desafios, mas sempre de maneira calculada, no jogo da vida. Correr riscos não é ser descuidado, ou não enxergar o perigo. A CORAGEM tem clareza. A pessoa vê as coisas e, por isso, é prudente. A prudência, se passar do ponto, é um medo disfarçado que pode nos tornar covardes (na abordagem Huna – procrastinação).
- Experimente: muitas vezes o medo deriva do que é desconhecido. Tem sempre aquele frio na barriga antes de começar, mas depois a coisa acaba fluindo. É como aquela pessoa que tem medo de água, mas dá o passo de se inscrever num curso de natação. Ela substitui a crença do “será que eu consigo”, para o “vou tentar” (na abordagem Huna – já consegui!).
- Dê o primeiro passo sozinho – apesar das dicas anteriores, criar CORAGEM exige uma atitude pessoal e intransferível, por mais apoio que se receba da família, dos amigos e do terapeuta. O primeiro passo é sempre feito pela própria pessoa. É a vontade dela que desenvolve a CORAGEM. Sem vontade, não há CORAGEM.
A vida em si não tem sentido, pois somos nós que atribuímos um significado para ela, de acordo com as possibilidades trazidas para as vivências do Sonho Básico de Vida. Destrinchar a Ignorância, as Limitações, a Confusão e a Procrastinação é, em síntese, um grande ato de CORAGEM.
Maria Rosalina Gonzaga Bueno / maio de 2014